"O direito de ler em voz alta"


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“Eu pergunto-lhe:
— Quando eras pequena liam-te histórias em voz alta?
Ela responde:
— Nunca. O meu pai andava sempre a viajar e a minha mãe estava sempre muito ocupada.
Eu pergunto:
— Então de onde vem esse teu gosto pela leitura em voz alta?
Ela responde:
— Da escola.
Feliz por alguém reconhecer algum mérito à escola, exclamo, satisfeito:
— Estás a ver?
Ela diz-me:
— De modo nenhum. Na escola proibiam-nos que lêssemos em voz alta. O credo da época era a leitura silenciosa. Directamente da vista ao cérebro. Transcrição instantânea. Rapidez, eficácia. E de dez em dez linhas, um teste de compreensão. Desde o começo, era a religião da análise e do comentário. Muitos miúdos ficavam aterrorizados, e ainda estávamos no princípio! Se queres saber, todas as minhas respostas eram correctas, mas mal chegava a casa, relia tudo em voz alta.
— Para quê?
— Para me maravilhar. As palavras pronunciadas começavam a ter existência fora de mim, tinham autêntica vida. Além disso, para mim era um acto de amor. Era o próprio amor. Sempre pensei que o amor ao livro passa pelo amor tout court. Deitava as minhas bonecas na minha cama, no meu lugar, e lia para elas. Cheguei a adormecer no tapete.
(…)”

Daniel Pennac
em Como um Romance (pp.183), Lisboa, Edições Asa, 2002.


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